Miss You
Queria sentir de outra maneira...
Sentir a falta profunda e saudade dolorosa....
Fingir que estás aqui sem te poder agarrar...
Sentir com a alma a tua presença...
Mas não estás... nem vais estar.
Não vais aparecer de repente e silencioso para me observar...
Não vais sorrir e abraçar-me mergulhando-me num momento eterno ...
Não vou sentir novamente a tua força, o teu calor e o teu cheiro ...
Não vais acordar-me a meio da noite tacteando em busca do meu corpo ...
Não me vais encher de ti ...
Já o fizeste e aqui estás... colado à pele e à carne. Ao meu desejo.
O nada é um péssimo substituto do amor e o cheio de nada esvazia-se em cada momento para se encher no momento seguinte.
Ainda te tenho em mim. Carrego-te na alma para sempre. Mas és apenas um espírito, uma sensação, uma presença discreta... para sempre.
Sossego-me de dia para dia procurando de novo a harmonia, o equilíbrio.
Foi-me arrancado um futuro possível e aquele para onde caminho é tranquilo. Uma planície larga em vez do precipício abrupto para onde nos empurrávamos inconscientes.
Partimos à beira do mesmo e seguimos de costas voltadas... Agora que espreitei por cima do ombro já sumiste.
Ficou o azul do céu, reflexo do teu olhar.
Há momentos bons na vida...
Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.
Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.
Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...
Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.
David Mourão-Ferreira