Sweet Nicole
Negro, intenso, revoltante. Características e consequências de uma história.
Dogville é um daqueles filmes que não esquecerei. É uma tela violenta, soturna, reflexo espelhado de uma sociedade invisível por vezes e tão óbvia quando ninguém a olha. Personagens consistentes, excelentes actores. Uma peça de teatro filmada que nos liberta do superficial, nos faz sentir com mais intensidade a história e permite ao inconsciente viajar por paisagens imaginárias.
Intrigas, humilhações, maldade pura, masoquismo: esconjúrias libertas em confissões pelos mais castos religiosos que não são mais do que relutantes portadores do inferno. Em segredo e cumplicidade que é como se quer. Ali, no fim do mundo. Onde a estrada acaba e a montanha começa.
Mas podia ser em qualquer lado. Em qualquer pequena aldeia, em qualquer país do mundo ou do fim dele... Quem não reconhece cada um dos personagens? A forma eficiente e acabada de sobrepor argumentos de acordo com o destino da verdade de cada um?
As mãos. Próprias. A justiça do povo. Aqui e agora. Quando a dor não é superada e a frieza se apodera. Quando nos pomos acima do mundo e abatemos sobre os pecadores a pena máxima. A justa. Nossa justiça. Nós que conhecemos as causas e os criminosos melhor que ninguém. Nós, cujo discernimento ultrapassa todas as dúvidas e que temos provas... Vamos aplicar a justiça e beber o poder! Mesmo que seja no fim da estrada, mesmo antes de chegar à montanha. Em DogVille. Porque a maldade é má e nós podemos acabar com ela.
Esta é a perspectiva de todos até que o poder ganha nova forma e se sobrepõe a nós. Aí passamos a ser vítimas. Pobres pecadores vulneráveis.
Lars von Trier não se enganou no retrato. Tudo começa e acaba no mesmo ponto. É assim que os tiranos se substituem e os Impérios nascem. Nem seria preciso sair das próprias fronteiras senão houvesse amor aos filhos da pátria ou ao dinheiro dos outros. Pátria de bandidos justiceiros e
xerifes.
God bless America? God bless us all!