Infância
Acontece-me de vez em quando esta nostalgia de ausência nem sei do quê... Como se algo me esperasse ali à frente e estivesse apenas à espera da minha descoberta.
Serei eu cega? Surda ou muda?
Este caminho que percorro ter-me-á sido destinado ou é apenas um dos muitos que se me apresentou e que eu, inconscientemente ou não, escolhi? O vazio e a solidão andam de mão dada nos dias que passam preenchidos por tantos nadas e ponteados por aquilo a que aprendi a chamar vida sem sequer compreender a verdadeira amplitude de tal fenómeno.
As músicas da minha banda sonora, das vidas que gerei, dos espaços que construí, as imagens de um filme mudo onde as vozes se perdem ao som de baladas, canções, sinfonias, concertos, cantatas, missas que não me saem da cabeça e discorrem quase sem parar, quase sem silêncios. E sigo em frente, ao som de tudo isto, embalada pela bebedeira desta tal forma de existência a que alguém chamou vida. Vadia.
Existências pequeninas, cheias de sentido, efémeras e, a maior parte das vezes, condenadas a serem obsoletas... borboletas sem efeito.
Quando era miuda, bem miuda, escrevi um texto pequeno num dos caderninhos que me fui habituando a coleccionar e que ainda hoje guardo e construo, cheios de papéis, bilhetes, fotografias, flores, etc... Esse texto falava de um sonho que se repetiu durante anos até me ter abandonado definitivamente: estava presa pelas pernas no vazio e uma colina à minha frente escondia uma luz que perdia a força lentamente, eu debatia-me para me soltar sem saber o que me prendia enquando a luz enfraquecia. Nunca consegui soltar-me. Acho que este sentimento é um dos tijolos da minha vida e é por isso que esta nostalgia não me abandona. E basta um cheiro, um soprar de brisa ou uma imagem para despertar este estado de alma e me encher de infância outra vez.