aqui na lua
sexta-feira, agosto 06, 2004
  FÉRIAS


Vou de férias.



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Largar a rotina, as correrias, as desandanças, as noites curtas e os dias demasiado compridos. Dormir até conseguir acordar em vez de acordar até conseguir dormir.

Deixar os despertadores, os telemóveis, os e-mails, os carros.

Dar as chaves de casa a alguém para regar as plantas, dar de comer aos hamsters e arejar os quartos.
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Passar uma semana sozinha (privilégio raro dos progenitores modernos que têm pais com carreiras a gerir - os avós já não são o que eram...), pôr a tenda no carro, um saco-cama de prevenção, algumas mudas de roupa, toalha de praia e biquini, umas sandálias e uns ténis, uma bolsa com artigos de primeira necessidade e muito poucas preocupações: se der para montar a tenda, dá; se não, paciência...
Passar pelo Sudoeste (Ai que "saudades dos festivais!...") e dar uma perninha pela Costa Alentejana: nunca é demais... Comer percebes e mexilhões e barrigadas de cerveja e tremoços!

Depois pegar na criançada e largar rumo a Sagres para duas semanas em família, com os meus pais. Acordar, comprar pão, tomar o pequeno almoço, fazer sandes e ovos cozidos, tirar as garrafas de 1,5l de água do congelador, pegar nas uvas e nas bolachas e distribuir tudo pelo saco e pela geleira e largar para a Costa Ocidental. Procurar uma zona sem ninguém, tirar as roupas e os fatos de banho e explorar a praia até ao mais pequeno pormenor - correr pela areia, trepar pelas rochas, dar pontapés nas ondas, mergulhar nas piscinas, procurar pedras fininhas que dêem muitos saltos e atirá-las ao mar.

Na nossa praia a areia é cinzenta e as rochas são pretas. O mar é batido e a maré baixa provoca piscinas fundas junto às rochas. Sempre associei esta paisagem à Sophia de Mello Breyner Andresen... sempre imaginei a Menina do Mar a viver numa praia assim e foram os castelos de espuma que aqui vi que deram côr aos que li nos seus livros. As algas que vestia eram daqui concerteza, já vesti muitas estátuas de areia com elas e algumas pareciam-se mesmo com ela. Já corri atrás de caranguejos que me dessem notícias do seu paradeiro, mas não aprendi a sua linguagem. Já procurei nas grutas pela sua casa e já chamei por ela em direcção ao mar. Tudo isto aconteceu há muitos anos, mas a morte de tal inspiração fez-me recordar tudo isto e, por isso, levo na mala um livro muito especial para ler à noite aos meus filhos. E talvez este ano, como eu o fiz há tanto tempo, eles possam ver estas coisas e falar na lingua dos bichos. Talvez eles possam responder. Talvez sempre o tenham feito.

Talvez...

Levo também o Carlos Paredes. A última vez que o vi foi há 8 anos num lar na Rua Saraiva de Carvalho. Estava deitado e a sua mão tremia, talvez saudosa de companhia. Entrámos, sentámos, tocámos e viemos embora com a alma dorida e o coração apertado. Alguém lhe pedia: "Mostra que já consegues comer uma bolacha" e eu pensava: "Cala-te senão parto-te a boca..."

Portugal está a morrer e é na companhia dos mortos que vou passar as minhas férias este ano, longe dos vivos que já não lhes chegam aos pés e que já não os posso ver à frente.



 
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