aqui na lua
segunda-feira, janeiro 30, 2006
  Casa Jones

Este fim de semana fomos para a neve... É estranho dizer isto acerca do único fim de semana desde que nasci que vê neve em Lisboa...

Fomos de boleia no carro da Ana. Dois adultos à frente e cinco crianças atrás - média que se confirmou quando entrámos na Casa Jones e, para 21 crianças, tínhamos apenas 15 adultos.
Saímos na sexta feira e subimos a A1 e depois a A23 até Manteigas. De Manteigas continuámos a subir até às Penhas Douradas e depois até à Casa Jones.

A Casa Jones tem nome de filme de terror.

A Casa Jones fica mais ou menos isolada na montanha e, à noite, quando chegámos, viam-se umas manchas brancas junto à estrada mas pouco mais neve do que isso.

A Casa Jones tem 20 camas distribuídas por cinco quartos diferentes.
Depois de conseguirmos distribuir os miúdos pelas camas e colchões trazidos deLisboa e de, com alguma boa vontade dos respectivos, termos colocado os mais pequenos nas camas dos pais, fomos jantar.

A Casa Jones tem uma cozinha industrial, daquelas com fogões, arcas congeladoras e frigoríficos à medida de gigantes.
Cinco pessoas trataram de preparar a comida e outras dez de a servir e controlar a refeição. Depois de despachar as bocas mais pequenas e de estas terem desaparecido escada acima rumo a um universo onde nós não pertencemos e onde cabem livros, esconderijos, confissões de pré-adolescentes em verdade ou consequência, batalhas contra monstros imaginários, desenhos e sei lá mais o que dos 5 aos 12 anos se consegue imaginar.
Partilhar uma mesa com 15 pessoas que têm comum 7 anos de descobertas e sobressaltos na educação dos filhos, perdas e desavenças, lutos e alegrias, férias e passeios, é enriquecedor.

A Casa Jones tem 3 andares. E muitas escadas.
À uma da manhã ainda se ouviam correrias escada acima e escada abaixo e risos nervosos de quem, não obstante a hora tardia, já antecipa o acordar madrugador. Às sete já uns olhinhos piscavam e meia hora depois, entre a ajuda dos mais velhos e a boa vontade dos mais novos, já quase todos tinham tomado o pequeno-almoço.

A Casa Jones é quentinha.
Depois de uma manhã de tempestade interior fomos para a Torre parando no Sabugueiro para comprar enchidos, queijos e doce de abóbora. Um frio cortante impedia-me de raciocinar. Aliás... impedia-me de fazer fosse o que fosse. Peguei nos miudos e fiz um esforço enorme para escorregar meia dúzia de vezes pela encosta abaixo até que, fitando o horizonte, me apercebi da massa cinzenta de se aproximava. Afinal, o nevão anunciado não era uma fraude. Avançava para nós a uma velocidade assustadora. Enfiámo-nos nos carros e a 5 Km da Casa Jones já era evidente que as pequenas manchas de neve na estrada iriam transformar-se num interminável manto branco. Ao entrar em casa, a tempestade exterior caiu e a interior apaziguou.

A Casa Jones tem uma raposa. Daquelas que vêm comer à porta e choram abrigo em dias de tempestade. A raposa partilhou o nosso almoço e ali ficou, debaixo do alpendre, meia assustada. As marcas da armadilha no pêlo adivinhavam um passado menos bom pelo que estranhámos tamanha aproximação. Mas ela ali ficou. Dois dias. A seguir às refeições alguém separava a comida e deixava-lhe uma travessa à porta.
Sem poder sair de casa tudo poderia ter descambado... todas as divisões estavam um perfeito pandemónio, havia toneladas de loiça para lavar e barulho constante. Mas o vinho tinto, a aguardente e os petiscos consolaram mesmo as almas mais inquietas e o dia terminou calmamente.

A Casa Jones fica mesmo no meio da neve.
No Domingo a paisagem que as portadas de madeira abertas revelaram era incrivelmente branca. À porta de casa a neve tinha-se acumulado e era fofa. Os ramos das árvores estavam cobertos de branco e cada agulha de pinheiro era mais um risco branco. Eu nunca tinha visto nevar e nunca tinha visto neve acabada de cair. O silêncio... O ar cristalino... A pureza do frio...
A meio da tarde, a meio das brincadeiras na neve e a meio caminho de Narnja, soubemos que nevava em Lisboa, em Évora, em Santarém, em Leiria, em Torres Novas, na Figueira da Foz!
Nevar em Lisboa parecia-nos fantástico, mas estavamos tão perdidos naquele universo paralelo, isolados do mundo na Casa Jones, que só quando viemos para Lisboa, mais tarde e depois de as estradas terem aberto, é que percebemos a verdadeira dimensão do fenómeno. Em Lisboa a neve não cobriu nada, mas na A1, ao passar a Área de Serviço de Aveiras, senti-me noutro país. Era insólito pensar que aquela estação era Aveiras e não outra qualquer no caminho entre a Suiça e a Alemanha.

A Casa Jones ficou vazia.
Com a juda do pessoal do Parque Natural, conseguimos tirar os carros e toda a tralha da Casa Jones e partir de regresso a Lisboa. As estradas estavam limpas e o caminho fez-se bem, sem paragens, até Lisboa. Os miudos dormiam profundamente nos bancos de trás dos carros e nós, à frente, ouviamos música, revíamos as fotografias do fim de semana e olhávamos estupefactos para a paisagem estranhíssima que a vaga de frio tinha deixado para trás.

O cansaço que levei para cima, resultado de vários dias sem dormir, não desaparecia. Aliás, aumentava a cada hora. Pensando bem, foi uma loucura depois de uma semana e meia de trabalho intensivo, ter alinhado nesta aventura. Mas agora que aqui estou, fico feliz por ter ido. Tenho a certeza que, assim como eu, também os miudos dificilmente esquecerão estes dias.
 
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