aqui na lua
quinta-feira, janeiro 18, 2007
  um repolho travestido de alface


Agora fui para Norte.
Voltei na terça-feira de Leiria e entrei em Lisboa por uma porta diferente que me lançou noutra perspectiva desta cidade. Enquanto descia a Avenida Fontes Pereira de Melo senti o que é vir de cima e atravessar Lisboa inteira tendo o Tejo como obstáculo. As luzes de Natal apagadas mas ainda presentes, tristes e abandonadas, completamente esquecidas e solitárias oscilam por cima das ruas reagindo ao movimento dos carros.
No dia seguinte fui fechar contas ao escritório num terceiro andar da Avenida da Liberdade com vista para o Castelo de S. Jorge e um pé-direito de três metros e meio.
Pela primeira vez, embora seja uma das ruas mais poluídas de Lisboa, senti-me previlegiada por poder estar nesta cidade, naquele lugar, naquele momento.
Por volta da hora de almoço enchi-me de orgulho alfacinha, desci as escadas estreitinhas e caminhei rua abaixo até aos Restauradores. Atravessei a praça e entrei no edifício dos CTT onde fica o Magnólia, os crepes de queijo de cabra, legumes, molho de framboesa e nozes que me fazem perder a cabeça e o cheesecake que me faz salivar descontroladamente. Fui ao balcão pedir o que me apetecia, mais um sumo de maçã e hortelã (sem gengibre porque sou alérgica)e sentei-me junto à janela a comer e a observar a rua ao sol e as pessoas.
Sinto sempre isto quando páro num café da Baixa. As pessoas andam de maneira diferente e, como no livro do Paul Auster, há muitas que são verdadeiramente invisíveis e que aparentemente sempre ali estiveram e estarão. Lembro-me de algumas delas desde sempre e com elas recordo o cego que tocava um piano de sopro na Rua Augusta... e a senhora que caminhava da Avenida João XXI de barbatanas e óculos de mergulho... e a que vestia um sobretudo comprido por cima de uma camisola de manga curta que pouco abaixo das ancas descia e exibia orgulhosamente umas pernas perfeitas... e as pessoas que dormiam todas as noites nas escadas do Teatro Nacional e eram incomodadas pelos enormes grupos de miúdos que, enquanto a Linha de Sintra enteve em obras, ali esperavam pelos últimos autocarros alternativos para lhes transportarem os excessos para casa...
Ali sentada recordei as filmagens do Wim Wenders no Éden, as manifestações contra as propinas, por Timor, contra a guerra. As histórias do Partido e dos familiares que atiravam panfletos pró-revolucionários do cimo dos prédios à revelia da PIDE de quem nem sempre conseguiam escapar.
Esta cidade, que adoro e odeio ao mesmo tempo, corre-me nas veias, está-me no sangue e na alma.
Subo novamente a avenida e estou em casa... como já não a sentia há muito tempo.
 
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Cronicas de uma nova colonia. Comentarios: aquinalua@gmail.com

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Localização: Lisboa, Portugal
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