aqui na lua
sexta-feira, fevereiro 02, 2007
  prioridades
Embora nos últimos dias as ausências prolongadas consequentes das idas ao Porto e agora a Madrid não me tenham permitido escrever sobre o assunto há coisas que não me passam despercebidas... a lucidez deste senhor nunca poderia deixar de ser uma delas, assim como o assunto a que o artigo abaixo citado se refere.
A ditadura espartana da moral de pacotilha portuguesa e o oportunismo político não passam impunes enquanto houver gente inteligente a dedicar tempo a denunciá-los e a combatê-los.
Falta referir uma questão que considero fundamental neste processo. A gravidez é, infelizmente, encarada como uma coisa de mulher (embora seja resultado da busca do prazer por uma mulher e um homem em conjunto) assim como, infelizmente em demasiados casos, também o são os filhos. Em última análise a contracepção é encarada como responsabilidade das mulheres (salvo raríssimas excepções, infelizmente) tendo os homens, na sua maioria, uma atitude bastante mais displicente em relação a qualquer uma das supra-referidas...
Sem querer generalizar, claro, mas observando os exemplos dos pais da minha geração e os adultos que nos tornámos.
Porque é que, então, no caso do aborto, a decisão deixa de poder ser exclusiva da mulher e a sociedade se arroga o direito de a questionar? Em relação a tudo o resto não é importante se a mulher está ou não preparada ou deve enfrentar sózinha todas as responsabilidades que estão a ser impostas por uma civilização machista e intolerante?
As mulheres não são nem têm (obrigação) de ser perfeitas. Ninguém o é. O que acontece é que toda a propaganda, todas as modas e mesmo os movimentos auto-intitulados feministas impõem um ideal de mulher que não nos faz mais felizes mas que cada vez mais mulheres adoptam. Um ideal de super mulher difícil de manter, muito exigente e repressivo.
A afirmação das mulheres - e de qualquer ser humano - passa por aceitar e ver respeitados os seus direitos e equilibradamente distribuídas as responsabilidades. Não por ter de provar sistemáticamente que consegue fazer e acumular tudo e mais alguma coisa para merecer o respeito e consideração do resto da sociedade.
Se nos é atribuída, à priori, competência e discernimento para educar, dirigir, organizar, acomodar, cuidar e sustentar uma sociedade inteira permanecendo belas e disponíveis porque é que em relação ao aborto, e à decisão de o fazer ou não, somos consideradas incompetentes e potencialmente desequilibradas? Este paternalismo é francamente insultuoso! Assim como o é a assumpção de que qualquer mulher que engravide e decida abortar é uma libertina egoísta que só pensa no seu próprio prazer e "na sua carreira".

Enfim, obrigada:
"Doze razões
por Vital Moreira
Sou a favor da despenalização do aborto, nas condições e limites propostos no referendo, ou seja, desde que realizado por decisão da mulher, em estabelecimento de saúde, nas primeiras dez semanas de gravidez. Eis uma recapitulação das minhas razões.
1.ª - O que está em causa no referendo é decidir se o aborto nessas condições deve deixar de ser crime, como é hoje, sujeito a uma pena de prisão até 3 anos (art. 140.º do Código Penal). Por isso, é francamente enganador chamar ao referendo o "referendo do aborto" ou "sobre o aborto", como muita gente diz. De facto, não se trata de saber a posição de cada um sobre o aborto (suponho que ninguém aplaude o aborto), mas sim de decidir se a mulher que não se conforma com uma gravidez indesejada, e resolve interrompê-la, deve ou não ser perseguida e julgada e punida com pena de prisão.
2.ª - Não há outro meio de deixar de punir o aborto senão despenalizando-o. Enquanto o Código Penal o considerar crime (salvas as excepções actualmente já existentes), ninguém que pratique um aborto está livre da humilhação de um julgamento e de punição penal. Quem diz que não quer ver as mulheres punidas, mas recusa a despenalização, entra numa insanável contradição. Não faz sentido manter o aborto como crime e simultaneamente defender que ele não seja punido.
3.ª - A actual lei penal só considera lícito o aborto em casos assaz excepcionais (perigo grave para vida ou saúde da mulher, doença grave ou malformação do nascituro, violação). Ao contrário do que correntemente se diz, a nossa lei não é igual à espanhola, que é bastante mais aberta do que a nossa e tem permitido uma interpretação assaz liberal, através da cláusula do "perigo para a saúde psíquica" da mulher. Por isso, a única saída entre nós é a expressa despenalização na primeira fase da gravidez, alterando o Código Penal, como sucede na generalidade dos países europeus.
4.ª - A despenalização sob condição de realização em estabelecimento de saúde autorizado (por isso não se trata de uma "liberalização", como acusam os opositores) é o único meio de pôr fim à chaga humana e social do aborto clandestino. Esta é a mais importante e decisiva razão para a defesa da despenalização. Nem a ameaça de repressão penal se mostra eficaz no combate ao aborto, nem a sua legalização faz aumentar substancialmente a sua frequência. A única coisa que se altera é que o aborto passa a ser realizado de forma segura e sem as sequelas dos abortos clandestinos mal-sucedidos. Por isso, se pode dizer que a legalização do aborto é uma questão de saúde pública.
5.ª - Se se devem combater os factores que motivam gravidezes indesejadas, é humanamente muito cruel tentar impô-las sob ameaça de julgamento e prisão. É certo que hoje há mais condições para evitar uma gravidez imprevista (contraceptivos, planeamento familiar, etc.). Mas a sociologia é o que é, mostrando como essas situações continuam a ocorrer, em todas as classes e condições sociais, mas especialmente nas classes mais desfavorecidas, entre os mais pobres e menos cultos, que acabam por ser as principais vítimas da proibição penal e do aborto clandestino (até porque não têm meios para recorrer a uma clínica no estrangeiro...).
6.ª - A despenalização do aborto até às 10 semanas é uma solução moderada e, mesmo, comparativamente "recuada", visto que em muitos países se vai até às 12 semanas. Por um lado, trata-se de um período suficiente para que a mulher se dê conta da sua gravidez e possa reflectir sobre a sua interrupção em caso de gravidez indesejada. Por outro lado, no período indicado o desenvolvimento do feto é ainda muito incipiente, faltando designadamente o sistema nervoso e o cérebro, pelo que não faz sentido falar num ser humano, muito menos numa pessoa. Como escrevia há poucos dias um conhecido sacerdote católico e professor universitário de filosofia: "A gestação é um processo contínuo até ao nascimento. Há, no entanto, alguns "marco" que não devem ser ignorados. (...) Antes da décima semana, não havendo ainda actividade neuronal, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído."
7.ª - Só a despenalização e a "desclandestinização" do aborto é que permitem decisões mais ponderadas e reflectidas, incluindo mediante aconselhamento médico e psicológico. Embora o referendo não verse sobre os procedimentos do aborto legal, nada impede e tudo aconselha que a lei venha a prever uma consulta prévia e um período de dilação da execução do aborto, como existe em alguns países. Aliás, o anúncio de tal propósito poderia ajudar o triunfo da despenalização no referendo, superando as hesitações daqueles que acham demasiado "liberal" o aborto realizado somente por decisão desacompanhada da mulher.
8.ª - A despenalização do aborto nos termos propostos não viola o direito à vida garantido na Constituição, como voltou a decidir o Tribunal Constitucional, na fiscalização preventiva do referendo. No conflito entre a protecção da vida intra-uterina e a liberdade da mulher, aquela nem sempre deve prevalecer. O feto (ainda) não é uma pessoa, muito menos às dez semanas, e só as pessoas são titulares de direitos fundamentais e, embora a vida intra-uterina mereça protecção, inclusive penal, ela pode ter de ceder perante outros valores constitucionais, nomeadamente a liberdade, a autodeterminação, o bem-estar e o desenvolvimento da personalidade da mulher. Mas a punição do aborto continua a ser a regra e a despenalização, a excepção.
9.ª - A decisão sobre a legalização ou não do aborto não pode obedecer a uma norma moral partilhada só por uma parte da sociedade. Ninguém pode impor a sua moral aos outros. É evidente que quem achar, por razões religiosas ou outras, que o aborto é um "pecado mortal" ou a violação intolerável de uma vida, não deve praticá-lo. Pode até empregar todo o proselitismo do mundo para dissuadir os outros de o praticarem. Mas não tem o direito de instrumentalizar o Estado e o direito penal para impor aos outros as suas convicções e condená-los à prisão, caso as não sigam. A despenalização do aborto não obriga ninguém a actuar contra as suas convicções; a punição penal, sim.
10.ª - A despenalização é a solução a um tempo mais liberal e mais humanista para a questão do aborto. Liberal - porque respeita a liberdade da mulher quanto à sua maternidade. Humanista - porque é o único antídoto contra as situações de miséria e de humilhação que o aborto clandestino gera. Quando vemos tantos autoproclamados liberais nas hostes do "não", isso é a prova de que o seu liberalismo se limita à esfera dos negócios e da economia, parando à porta da liberdade pessoal. Quando vemos tanta gente invocar o "direito à vida" do embrião ou do feto para combater a despenalização, ficamos a saber que para eles vale mais impor gravidezes indesejadas (e futuros filhos não queridos) do que a defesa da liberdade, da autonomia e da felicidade das pessoas. Se algo deve ser desejado, devem ser os filhos!
11.ª - Na questão da despenalização do aborto é verdadeiramente obsceno utilizar o argumento dos custos financeiros para o SNS. Primeiro, o referendo não inclui essa questão, deixando para a lei decidir sobre o financiamento dos abortos "legais". Segundo, mesmo que uma parte deles venham a ser praticados no SNS, o seu custo não deve comparar desfavoravelmente com os actuais custos da perseguição penal dos abortos, bem como das sequelas dos abortos mal sucedidos.
12.ª - A despenalização do aborto, nos termos moderados em que é proposta, será um sinal de modernização jurídica e cultural do país, colocando-nos a par dos países mais liberais e mais desenvolvidos, na Europa e fora dela (Estados Unidos incluídos). A punição penal do aborto situa-nos ao lado de um pequeno número de países mais conservadores e mais influenciados pela religião (como a Irlanda e a Polónia). Mas por que motivo um Estado laico deve pautar o seu Código Penal por normas religiosas?
(Público, Terça-feira, 23 de Janeiro de 2007)
[Publicado por vital moreira]"
 
Comments:
só te tenho a agradecer o facto de teres incluído este artigo no teu blog.
caso contrário não teria tido o privilégio de o ler! muito obrigada!
concordo plenamente com a tua introdução, ainda para mais da força como o escreveste, parabéns!
digo-te que vou tomar a liberdade de copiar o artigo e enviá-lo para todas as pessoas (família principalmente) que sei que são defensoras do não, com o título: "ponham de lado por momentos o "Pré-conceitos" que vos guiam e leiam até ao fim este artigo. depois tomem a vossa decisão em consciência. sejam honestos com vocês mesmos e com a sociedade que vos rodeia e tomem a decisão que acharem mais coerente com o que vos vai na alma."
mais uma vez parabéns e muito obrigada
volta depressa
j.
 
De acordo com o/a supra-assinado J.!
Mas como a maioria de nós não tem tempo para ler exposições tão longas e articuladas, mais a mais, no caixa de correio quase sempre ao serviço profissional, vou optar por proceder ao envio segmentado do argumentário do Vital Moreira. Talvez assim, possa surtir mais efeito! Afinal, há que fazer alguma coisa até ao dia 11, pois não sei como suportar de novo a vergonha de mais uma vitória da hipocrisia, da cobardia e do acabrunamento nacional.
Vale-nos uma Lua atenta!
Bom regresso!
M.
 
já cá estou.
obrigada pelos bons desejos.
sei que é J... mas M...?
até dia 11 ainda temos demasiado tempo... mas há que não calar. por cada uma de nós.
 
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